Dos avós, da solidão e do efémero tornado perene

Leio no Público a notícia de um neto que, procurando a localização exata de casa dos seus avós no goolgle maps, se deparou com uma imagem do seu avô, entretanto falecido. António Gomes, assim se chamava o avô, foi capturado pela câmara dos carros que, rua a rua, vão registando o aspeto das nossas cidades. André Gomes, o neto, partilhando a sua descoberta fala da emoção pela agora imortalizada imagem do seu avô, plantado no portão de casa, vestido de branco, e certamente olhando com curiosidade o carro equipado de câmaras.

Este instante, tão efémero como são todos os instantes capturados em fotografia, tornou-se perene ao chegar a uma plataforma onde tudo fica guardado. Perene, mas nem sempre visível, já que num lembrar da nossa temporalidade – a biológica, mas também a das próprias cidades – estes registos vão sendo atualizados: um prédio substitui-se a outro, uma vida antes fulgurosa dá lugar ao vazio da morte.

A esta partilha responderam muitos outros netos, também eles encontrando os seus avós na mesma plataforma. É emocionante ver todas essas partilhas, num quase diálogo com o passado, com as pessoas e com os lugares.

Uma foto é sempre efémera, mas é também sempre um reflexo de práticas, hábitos, monotonias. Não estranha que tantos avós sejam capturados à porta de casa em fotografias tiradas em momentos aleatórios. Aí, nos seus pátios, nas suas varandas, passam grande parte dos seus dias, vivendo a solidão, esperando que alguém passe.

Também a minha avó está imortalizada no google maps. Sentada exatamente onde eu esperaria que estivesse. Continua viva e saudável, provavelmente sentada naquele mesmo sítio enquanto escrevo estas linhas. A minha avó adora caminhar. Fazia quilómetros e quilómetros todos os dias. Hoje, já não se pode permitir tantos quilómetros, pelo que se senta, vendo os outros passar. Daquela cadeira onde se senta, vê-se a autoestrada. Quando lhe perguntam se gostaria de ter barreiras que limitem a poluição sonora – barreiras essas que existem do lado oposto da autoestrada – responde prontamente que não. É que limitando o ruído limita-se também a vista. E quando as nossas próprias pernas não nos permitem viajar como gostaríamos, sobram os olhos para que viajemos pelos outros.

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